Continuando a análise da entrevista do colega Célio Bermann:
O colega acusa o projeto de ter como maior característica "o modelo de apropriação do território amazônico, baseado na tomada de seus recursos naturais, de sua água, seus rios, para proporcionar a expansão de bens de alto conteúdo energético e baixo valor agregado. Ou seja, faço referência às indústrias minero-metalúrgicas, de minério de ferro, bauxita e também sua primeira transformação, em aço e em lingote de alumínio. Essa forma de “promover” o desenvolvimento da região amazônica e do país é absolutamente lesiva aos interesses da população brasileira.". Se entendi bem, o colega acusa a mineração e a metalurgia de serem indústrias de baixo valor agregado, por esse motivo indesejáveis na região. Faltou indicar que indústria ele recomenda instalar lá no meio da floresta. Quanto mais sofisticada essa indústria, mais prejudicaria o ecossistema: mais recursos naturais utilizaria, mais resíduos tóxicos produziria, mais infraestrutura exigiria; além disso, requereria mão de obra especializada, difícil de encontrar hoje até nas capitais da região. Finalmente, não consigo imaginar como uma indústria dessas funcionaria sem uma indústria de base que fornecesse as matérias-primas necessárias.
O colega reclama que o projeto "está nas mãos de empresas estatais", CHESF e Eletronorte. Não vejo aí nenhum problema, pois não são estatais dedicadas a preparar empadinha, são estatais cuja função é produzir e gerir energia elétrica. Se alguém acha que estatais não deviam cuidar desse assunto, aí é outra história, devia brigar para que CHESF, Eletronorte e outras fossem fechadas, não condenar o projeto por ter sido entregue a elas.
O colega, ao meu ver comete um erro grosseiro quando afirma que "haverá períodos de estiagem, entre setembro e outubro, nos quais a capacidade de geração se reduzirá a 1080 mW. Frente a esse fato, o governo passou a trabalhar com a noção de ‘média de energia’, em torno de 4000, 4500 mW ao longo do ano, o que é uma maneira enganosa de caracterizar o empreendimento. A energia que estará garantida, independentemente do regime hidrológico, é de apenas 1000, 1100 mW. O restante da energia disponibilizada terá valor comercial menor.". Em primeiro lugar, um mês ou dois de estiagem no ano não fazem com que a energia garantida seja de apenas 1 GW; energia garantida é aquela que a usina tem certeza de produzir; Belo Monte pode assegurar mais do que isso em dez meses do ano. Em segundo lugar, não é verdade que o restante da energia terá valor comercial menor; esse valor de R$ 78,00/MWh é para vender para o governo, uma parte pode ser comercializada nos leilões do mercado atacadista de energia e ali não há preço fixo.
Célio Bermann acusa o Ministério das Minas e Energia e a Eletrobrás de estar nas mãos do Sarney, que mantem relações históricas de com o setor eletrointensivo. Aí confesso que me surpreendi, pra mim o Sarney era um tosco que ficou rico vendendo gordura de côco ou outro produto derivado da flora nativa maranhense, não sabia que ele estava envolvido com o setor elétrico. Realmente, o Ministério está nas mãos do PMDB. Mas mesmo que estivesse em outras mãos, não vejo como não teria relações com o setor eletrointensivo, que é o maior consumidor. O Ministério da Agricultura, por exemplo, também privilegia o agronegócio e não dá pelota para os pequenos agricultores. Isso, por si, não quer dizer que todo projeto agrícola oficial esteja equivocado.
Célio Bermann meio que fugiu da questão a respeito do aproveitamento do potencial hidrelétrico brasileiro, disse que "Nós temos hoje uma dependência excessiva da hidroeletricidade amazônica.", suas respostas a respeito de fontes alternativas não foram conclusivas, recomendou investir em diminuir as perdas no sistema, para baixá-las de 15% para 10% (eu não tenho a menor idéia de quanto custaria isso, e parece que ele também não, pois não cita números) e no final acabou reconhecendo que não há substituto para empreendimentos como Belo Monte.
Finalmente, numa demonstração de ingenuidade, aceitou o custo de 30 bilhões, estimado pelos empreiteiros, como se fosse verdadeiro. Ora, num leilão, é óbvio que quem compra quer baixar o preço e quem vende quer aumentá-lo. O mais prudente é acreditar que o valor correto está em algum lugar entre os dois. Ele diz ainda que o preço do kW instalado está alto, para os padrões internacionais. Mais uma demonstração de ingenuidade. Nâo dá pra comparar o preço do kW instalado na Inglaterra, por exemplo, com o de uma usina que vai ser instalada na Amazônia. Não tem que importar as máquinas? Não tem que levar os equipamentos por essa distancia toda? Não tem que construir canteiro de obras? Não tem que construir alojamento? É claro que o kW instalado lá vai ser mais caro. O valor tem que ser comparado com outras obras similares. O kW de Jirau ficou em quanto? Nove bilhões de investimento, 3500 MW: 2500 reais/kW, não é isso? E quem ganhou está reclamando? Muito pelo contrário, estão tentando adiantar a obra; já encontraram uma maneira de alterar o projeto de maneira a economizar um bilhão.