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Crítica à mídia
Folha distorce estudos do Ipea e da FGV
Na Folha de São Paulo deste domingo, as colunas de Clóvis Rossi e de Elio Gaspari pareceram querer "responder" à notinha do ombudsman em sua última coluna no jornal, sobre ele ter dado manchete principal para notícia velha sobre violência em detrimento de estudos científicos do Ipea e da FGV sobre mobilidade social e distribuição de renda.
Vejam, abaixo, o que o Carlos Eduardo Lins da Silva escreveu sobre o assunto:
A Folha voltou a errar em escolha de manchete. Na quarta, deu o título principal para reportagem sobre criminalidade em São Paulo, que não revelava nada de novo: há mais assassinatos em bairros pobres e mais roubos em bairros ricos. E deixou como chamada estudos, segundo os quais a classe média virou maioria no Brasil, a porcentagem de miseráveis caiu de 35% para 25% em seis anos, e o ganho de renda dos pobres é mais sólido que antes.
Eu já tinha tratado do assunto aqui no blog naquele dia, como vocês bem se lembram.
Mas sobre as colunas que mencionei, Clóvis Rossi distorceu uma frase do economista Marcelo Neri, da FGV, de maneira que insinuou que um dos autores de estudo que deu conta de importantes mudanças sociais no país teria afirmado que a desigualdade, em vez de cair, aumentou.
A frase atribuída a Neri, foi a seguinte: "Fizemos um experimento no Censo e vimos que quem tem três carros (...) tem quatro vezes mais chances de omitir a resposta de renda de quem [sic] não tem carro (...) Neste sentido, a desigualdade brasileira, que já era muito alta, tende a ser mais alta ainda".
A tese de Rossi, já amplamente difundida sem que a Folha tenha permitido o contraditório numa questão dessa importância, é a de que a desigualdade é maior do que parece porque os ricos escondem o total de seus ganhos e, assim, eles são ainda mais ricos do que aparece.
Nesse contexto, vale comparar a frase atribuida por Rossi a Neri com a que o pesquisador teve publicada na Folha na quarta-feira: "A queda na desigualdade que estamos presenciando agora é espetacular, com uma intensidade comparável à do crescimento da concentração da renda na década de 1960"
Rossi despreza o fato de que se a desigualdade é maior do que parece hoje, ela também era maior há cinco ou há dez anos. Porém, ele limita o suposto fenômeno dos ganhos dos ricos no mercado financeiro a "anos", quando esse fenômeno, se é que existe, vige há décadas no país, se não há séculos.
O fundamento das ciências estatísticas decorre de comparações ao longo do tempo, ou seja, se os ricos escondem renda hoje, escondiam há dez anos. Assim, se a renda dos pobres aparece maior hoje do que ontem, a desigualdade diminuiu, obviamente.
Já no caso de Elio Gaspari, ele desqualifica o estudo do Ipea mas não faz o mesmo em relação ao da FGV, que diz praticamente a mesma coisa.
A ausência de contraditório e de debate sobre um tema dessa importância revela intenção da Folha de minimizar êxito internacionalmente reconhecido das políticas sociais deste governo e se choca com o que diz a imprensa internacional e o próprio senso comum sobre estar havendo melhora da vida dos mais pobres no Brasil.
Leiam, abaixo, os textos dos colunistas da Folha supra mencionados.
Desigualdade, lenda e fatos
Clóvis Rossi
SÃO PAULO - Ressurgiu na semana que acaba a lenda da queda da desigualdade no Brasil, em conseqüência de leitura superficial de um belo trabalho do economista Marcelo Neri (Fundação Getúlio Vargas), talvez o maior especialista brasileiro no assunto.
Neri mediu apenas a desigualdade na renda do trabalho. Não mediu a desigualdade entre o rendimento do trabalho e o rendimento do capital (ou financeiro), que talvez seja mais importante.
Explica o pesquisador: "As pesquisas não captam bem a renda dos ricos e do capital em geral. Por isso não acredito em estimativas de ricos no Brasil a partir de pesquisas domiciliares" (alô, alô, IBGE, não é o caso de fazer idêntica ressalva na Pnad, pesquisa domiciliar?).
Neri conta um dado definitivo a respeito: "Fizemos um experimento no Censo e vimos que quem tem três carros ou mais no domicílio (sinal de riqueza aparente) tem quatro vezes mais chances de omitir a resposta de renda de quem não tem carro no domicílio, situação que corresponde a boa parte da população brasileira".
Conclusão inescapável: "Neste sentido, a desigualdade brasileira, que já era muito alta, tende a ser mais alta ainda".
Neri, de todo modo, diz que a redução da desigualdade (entre salários) "não deve ser menosprezada".
De acordo, mas é óbvio que é importante não menosprezar eventual aumento na desigualdade entre renda do trabalho e do capital.
Só pode ter aumentado. Numa ponta, porque o governo tem remunerado o capital há anos com no mínimo 5% do PIB, via juros sobre papéis da dívida, e doado à baixa renda (ou renda zero) nunca mais que 0,7% do PIB (Bolsa Família).
Na outra ponta, é só perguntar a um bancário se seu salário aumentou mais que o lucro da instituição em que trabalha. Surgirá da resposta, com nitidez, o tamanho da lenda e o tamanho dos fatos.
O comissariado do Ipea volta a atacar
Elio Gaspari
O COMISSARIADO do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, continua dilapidando o patrimônio da instituição. Divulgou um trabalho intitulado "Pobreza e Riqueza no Brasil Metropolitano", sem autor e sem rigor acadêmico. É um texto tosco, do estilo "elevador". Revelou o que se sabe: "A" desceu (o número de pobres nas regiões metropolitanas) e o “B” (os ricos) subiu um tiquinho.
O dados apresentados baseiam-se num cruzamento de dois conjuntos de estatísticas: a Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios de 2006 e a Pesquisa Mensal de Emprego, ambas do IBGE. Esses números só podem ser misturados com ajuda de uma metodologia de "imputação" de renda. Os doutores explicaram que ela está descrita em "Ribas e Machado (2008)", mas se esqueceram de mencionar o título do trabalho.
Divulgar um trabalho que lida com séries estatísticas de 2002 a 2008, quando ainda faltam quatro meses para o ano acabar, é uma ofensa ao calendário gregoriano. O trabalho mostra 27 curvas. Dezoito estão agrupadas em três conjuntos, ilustrando variações ocorridas em cada uma das seis regiões metropolitanas. Verdadeira salada, na qual se misturam escalas diferentes. O curioso vê curvas quase idênticas no percentual de pobres em Salvador e no Rio. Uma foi de 49,9% para 37%, mas a outra oscilou de 28,4% para 22%. Pode ter sido uma trapaça do Excel, capaz de acomodar automaticamente as escalas, mas não é esse o padrão do Ipea.
A certa altura, os doutores falam em "extrato superior da distribuição da renda" (queriam dizer estrato, pois extrato é o de tomate). É um erro bobo, mas revela a falta de atenção de quem o leu. (Este texto, por exemplo, passou por duas piedosas verificações.)
O Ipea tem em casa, encostados, alguns dos melhores estudiosos das questões relacionadas com a distribuição da renda no Brasil. Nenhum deles produziu coisa parecida. Pela tradição, o instituto divulga "Textos para Discussão" que, além de serem debatidos internamente, têm rigor e autoria. A pesquisa tosca posta no ar pertence a uma série denominada "Comunicados da Presidência". Valeria a pena organizar um seminário para explicar o que isso significa, senão um exercício neo-stalinista de atribuição de poderes de comunicação excelsa ao presidente do Ipea.
O doutor Marcio Pochmann precisa sentar com Eduardo Nunes, presidente do IBGE, para saber como se valoriza o trabalho dos pesquisadores sem chamar os holofotes para si. Seu gosto pelas luzes já virou piada. No prédio onde trabalha, conta-se que Pochmann acelera seu carro sempre que vê um pardal. Assim, sai na foto.
Escrito por Eduardo Guimarães às 12h37
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