Tá aqui o trecho da matéria do fantastico .
Sexo compulsivo
Exibido no fantastico em 02/11/2003
Na mesa do bar, a cena é comum. Os homens se gabam de grandes conquistas e de suas performances sexuais. A busca do prazer ocupa, sem dúvida, um grande espaço da imaginação masculina. Mas o que dizer de gente que não consegue deixar de pensar "naquilo"? Afinal de contas, quando o assunto é sexo, quem é normal?
Se até água faz mal em excesso, que dirá o sexo! Alguns anos atrás, o ator americano Michael Douglas deu o que falar ao assumir para o mundo a sua compulsão por sexo. Chegou até a se internar numa clinica para provar que a coisa era séria.
"Fazer sexo é uma coisa muito boa e importante. Inclusive fazer muito sexo também pode ser bom. O problema é quando a pessoa faz sexo pra encobrir ou lidar com alguma dificuldade, seja uma frustração ou uma ansiedade", explica o psicólogo Oswaldo Rodrigues Júnior, integrante da Sociedade Brasileira de Sexualidade Humana.
Cláudio, Kléber e Fabiano estão freqüentando uma irmandade, um grupo de auto-ajuda, que é o Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (Dasa).
"A percepção de que eu estava com problemas em relação ao sexo veio quando eu tive prejuízos econômicos e emocionais, há dois anos. O falecimento da minha mãe também ajudou a agravar o problema. Tinha dias que eu me masturbava oito vezes", conta Cláudio, de 24 anos.
"Eu estava com 30 anos e já estava saindo com várias garotas de programa diariamente. Precisava de sexo todos os dias. Já estava até vendendo as coisas de dentro de casa e pedindo empréstimo pras financeiras", recorda Fabianos, de 34 anos.
"Havia uma coisa que tava bem obscura dentro de mim que é essa questão da masturbação e do vício em pornografia", lembra Kleber, de 28 anos.
"Eu deixei de comprar comida. Cheguei a ter R$ 10 no bolso e tinha só arroz puro em casa. Saí com uma garota de programa e voltei a pé pra casa e comi aquela única comida que eu tinha", conta Cláudio.
"Muitas pessoas compulsivas sexuais na verdade têm expressões sexuais seis, sete, oito, nove vezes por dia, sejam masturbações e relações sexuais no mesmo dia", explica Rodrigues Júnior.
O problema é que nem sempre a compulsão sexual se resume a uma vida tomada por relações físicas propriamente ditas. Uma pessoa pode até transar pouco, mas não conseguir parar de pensar em sexo, passar madrugadas inteiras na internet atrás de pornografia, ou mesmo deixar de procurar a parceira para ter relações com garotas de programa. Estes são indícios sérios de compulsão sexual.
Mas atenção: a avaliação da doença tem que partir do próprio compulsivo. "Se o sujeito vai procurar outros casos, ou prostitutas, mas faz isso de uma forma que ele julga adequada, de uma forma que ele consegue até mesmo esconder da sua outra vida, isso pode ser moralmente condenável, mas não é necessariamente patológico", explica Aderbal Vieira Júnior, coordenador do ambulatório de sexo patológico da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
"O critério tem que ser sempre o sofrimento da pessoa, o mal-estar da pessoa. Se ela gostaria que fosse diferente, que gostaria de fazer de outra forma mas não está conseguindo", orienta Vieira Júnior.
"A pessoa geralmente vai buscar tratamento depois que a bomba explodiu. Então perdeu o emprego, a esposa descobriu ou contraiu uma doença sexualmente transmissível", conta o psicólogo da Unifesp.
Uma pesquisa da Unifesp traçou o perfil do compulsivo sexual. Na maioria esmagadora dos casos, é um homem, com idade entre 30 e 40 anos, que fez faculdade ou pelo menos completou o segundo grau. Em mais da metade dos casos, ele sofre de depressão ou ansiedade e gosta de buscar formas alternativas de fazer sexo como o exibicionismo ou o masoquismo.
"Em alguns casos o dependente de sexo está tentando acertar as contas com o passado. Então alguém que não foi muito bem sucedido sexualmente e socialmente na sua adolescência, não tem um currículo do qual ele possa se orgulhar", explica Vieira Júnior.
"Tinha problemas de relacionamento afetivo, não acreditava em mim mesmo", recorda o dependente de sexo Kleber.
"Me tornei promíscua na tentativa de sair da minha timidez, da minha auto-estima negativa", observa Ana Maria, de 37 anos, e que também faz parte da Dasa.
Ana Maria, hoje em tratamento, usava o álcool para liberar uma busca frenética por relações sexuais. "Eu não cheguei a pegar Aids e graças a Deus eu não engravidei, mas eu corri todos os riscos que você pode imaginar", confessa. "Perdi a conta dos parceiros que tive e cheguei até a passar por um estupro por conta dessa falta de critério que eu tinha. Cheguei a trazer uma pessoa para minha casa e à medida que o efeito da bebida foi passando, eu fui percebendo que aquela pessoa não me interessava em termos de conversa. Só que aí eu me meti numa encrenca, já que ele supunha que ia ter sexo e forçou a barra", recorda Ana Maria.
A chave da recuperação para os compulsivos está na terapia. Medicamentos para depressão ou ansiedade só são usados em casos extremos porque podem afetar o desempenho sexual. Em alguns casos, isso pode afugentar o paciente.
"Quando a pessoa está compulsiva, está muito descontrolada, você tem substâncias químicas, geralmente antidepressivos, que podem ajudar a diminuir a libido dessa pessoa e dar pra ela uma forma melhor de pensar na vida", orienta o psicólogo da Unifesp.
"Faz sete anos que eu faço terapia com psicólogos e terapeutas", conta Kleber.
"Hoje o sexo passou a ser um complemento do relacionamento. Eu estou noivo, estou há um ano no relacionamento. A minha compulsão sexual ficou no passado", comemora Cláudio.
"Espero um dia, se Deus permitir, que eu tenha uma realização afetiva em forma de um relacionamento", comenta Kleber.