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Mudança editorial da Globovisión reacende debate sobre comunicação na Venezuela
Canal afastou apresentadores e afirma buscar equilíbrio na transmissão de notícias, gerando queixas de opositores
Quinta-feira, 18 de abril de 2013, quatro dias depois da eleição que levou Nicolás Maduro à presidência. O ex-candidato opositor, Henrique Capriles, que não reconhece o resultado do pleito, gerando uma onda de violência que deixou ao menos dez mortos, faz um discurso no qual pede que seus apoiadores coloquem música em suas casas contra a juramentação do chavista, proclamado vencedor pelo poder eleitoral do país. Ele orienta que o ritmo das músicas seja “salsa”.
Ao fim do pronunciamento, transmitido na íntegra pelo canal privado Globovisión, tem início o programa “Buenas Noches”, no qual os três apresentadores passam uma mensagem a seus telespectadores: dançam salsa. Descontraído, e abertamente opositor ao governo, o programa foi um dos primeiros afetados pela venda da emissora de TV aberta, concretizada há duas semanas. Ácido em sua oposição ao governo, expressada sem papas na língua, o apresentador Francisco Bautista, conhecido como “Kico”, teve seu contrato com a emissora encerrado neste domingo (26/05). O deputado opositor Ismael García também foi afastado do programa “Alô Venezuela”, que apresentava aos domingos.
O apresentador Kico Bautista, conhecido por críticas ao chavismo, deixou a Globovisión nesta semana
As medidas são um claro exemplo da mudança na linha editorial do canal, iniciada há uma semana, após a concretização de sua venda, no último 13 de maio. Até então adepta a uma oposição constante ao chavismo, a Globovisión foi uma das quatro emissoras venezuelanas de televisão aberta vinculadas ao golpe de Estado contra o falecido presidente Hugo Chávez em 2002. Como consequência da demissão de “Kico” Bautista, os apresentadores Pedro Luis Flores e Carla Angola, que dividiam o espaço noturno na emissora, pediram demissão. O programa já não foi ao ar na noite de ontem.
Entre as alterações já visíveis na linha editorial do canal de notícias está o fim das transmissões ao vivo e na íntegra de discursos e atos de Capriles, assim como de outros representantes da oposição, que muitas vezes eram feitas em detrimento da programação da emissora. Agora, os integrantes da coalizão MUD (Mesa de Unidade Democrática) passaram a aparecer durante noticiários, com discursos editados, assim como os pronunciamentos de membros do governo.
A mudança, no entanto, gerou revolta entre telespectadores identificados com a oposição. Opera Mundi acompanhou a diminuição dos seguidores do perfil do canal na rede social Twitter, que na noite da última sexta-feira (24/05) contava com mais de 2,71 milhões de seguidores. Após uma campanha virtual estimulada com hashtags como “Unfollow massivo a Globovisión” e “Globovisión já não te vejo”, a quantidade de pessoas que acompanham a página não passava de 2,38 milhões na manhã desta terça-feira, representando uma queda de mais de 337 mil seguidores.
A diminuição mais intensa de “followers” do perfil do canal se deu durante a publicação de diversas postagens por Capriles, na noite de domingo, quando o governador do Estado de Miranda afirmou que os novos donos da emissora estão vinculados ao governo. Em uma sequência de 17 tuítes, o opositor expressou “eterno agradecimento” aos trabalhadores da emissora, pediu a seus seguidores que averiguem como um dos novos donos do canal, Raúl Gorrín, “fez fortuna nos últimos três anos”, e disse ter sido informado de que a nova diretoria da Globovisión ordenou que seus discursos já não sejam transmitidos ao vivo.
Frente às queixas, a diretoria do canal – cujos novos donos se reuniram com o presidente Nicolás Maduro na última semana e afirmaram que irão “contribuir para que os níveis de conflito baixem no país” - emitiu um comunicado no qual esclarece que “a política editorial do canal consiste em ampliar sua linha de informação e de opinião a todas as vozes do país, sem discriminação alguma”. O texto esclarece ainda que “os meios de comunicação social não são partidos políticos” e que os profissionais da emissora continuam realizando seus programas “com a mesma liberdade da qual usufruíram nesses anos”.
Para a analista de mídia Lucía León, ex-integrante do Centro de Pesquisa da Comunicação da Universidade Andrés Bello, a Globovisión foi, até a formalização de sua venda, um canal partidário para a oposição. Segundo ela, a imparcialidade anunciada pelos donos do canal de notícias implicaria em que tanto os atos do governo como os da oposição fossem transmitidos ao vivo pela emissora. Atualmente, explica, a oposição utiliza como alternativa de comunicação o canal a cabo TVR, que compila programação de emissoras regionais, além de canais na internet.
“A Globovisión era a única janela onde se podia ver um discurso completo do Capriles. O que seria bom, desde que se transmitissem também os discursos do Maduro. A solução não deveria ser evitar a transmissão dos discursos ao vivo”, explica, complementando que a Televen e a Venevisión, antes “opositores radicais” ao chavismo, “mudaram totalmente seu formato informativo”, passando a se pautar pela tentativa de equilíbrio entre as notícias oficiais e as de oposição. “Eles são muito abstêmios em não se meter nos assuntos de opinião, deixam que os convidados falem, sobretudo os de corte oficial, e não se envolvem”, explica.
De acordo com ela, existe uma escassez de programação televisiva onde opiniões contrárias possam realmente se contrapor. “Esta não tem sido a visão, nem da Globovisión, nem dos outros canais. A imparcialidade é colocar o entrevistado e simplesmente deixar falar. Os jornalistas devem perguntar, ser incômodos tanto para a oposição como para o governismo”, diz, analisando que os telespectadores devem ter acesso a “ambas as vozes de tal maneira que finalmente possam escolher segundo seus critérios”.
Nicolás Maduro tem buscado dialogar com representantes da iniciativa privada
“O âmbito informativo está bem polarizado na Venezuela. A oposição se informa através da Globovisión e os governistas pela [televisão estatal] VTV”, diz León. Para Ernesto Parra, diretor do Centro de Investigações Políticas e Estratégicas Aluvión, “há um estado de guerra de informação na Venezuela”. Segundo ele, o perfil da VTV, que somente transmite o discurso oficial, é produto do “encurralamento mediático” à gestão de Chávez. “Esta era a única opção em política real que se podia ativar”, explica, afirmando que, ao longo dos anos, a vinculação das principais figuras da Globovisión com setores opositores aumentou.
“A atividade da Globovisión no golpe de Estado de 2002 contra o Hugo Chávez não foi somente bastante beligerante, mas de primeira linha. Nos canais Globovisión, Venevisión, Televen e RCTV se desenharam linhas estratégicas, com investidas temáticas e programáticas, chegando a serem porta-vozes e protagonistas. Desde a campanha de Hugo Chávez em 1998, a Globovisión elaborou uma agenda contra ele e depois rompeu com o conteúdo informativo, se dedicando a uma estratégia anti-chavista”, garante Parra.