Estava meio de saco cheio deste tópico, mas não posso ignorar as 7238 MPs que recebi pedindo para que continuasse...
oGuto escreveu:Compson escreveu:Então, acho que ainda não estamos falando a mesma língua.
A realidade realmente tem muito pouco a ver com o que eu digo.
Não percebo desse modo, já que, sim, estamos falando a mesma língua, haja vista que mesmo para não falar da realidade, dela antes se deve saber, mesmo que apenas para a sua exclusão.
Mas não se trata propriamente de exclusão, mas de não reconhecer a “realidade” como um fundamento relevante. Quando alguém recorre a um argumento do tipo “estou falando da simples realidade”, fica claro que ele não pode ou não quer realmente discutir. Discutir é dizer qual é essa realidade, expor os critérios do “real” e, portanto, ficar sujeito a críticas.
oGuto escreveu:Isso posto, também não há equivalência entre a mais que comum “ficada” com a putaria, como colocado pelo caro Mike Logan.
Respondendo por mim, nada digo sobre “equivalência”, mas sobre diferença contínua, ou seja, sobre a permanência de alguns aspectos fundamentais e discrepância de outros.
oGuto escreveu: E mais uma vez, também tem a ver com o fato de que mesmo o chamado sexo casual envolve algum mútuo senso crítico (como diria o caro Compson, interesses explícitos ou ocultos) o que não ocorre na putaria.
(...)
E quando falo de “senso crítico”, me refiro apenas às avaliações automáticas (prévias e posteriores) ativadas em tal situação (não necessariamente certas, nem erradas) e não a grandes elucubrações, ou seja, nada muito profundo.
Esta questão do “senso crítico” permite-me falar do sujeito do desejo, o que me levará a rematar brilhantemente meu sistema das relações sexuais. Tomemos a seguinte proposição:
S deseja P.
Colocada em contexto externo à putaria, onde S e P são dois indivíduos humanos. Pois bem, analisemos o que ela significa.
S, o sujeito, é um indivíduo humano, portanto dotado de consciência. Portanto, S é capaz de criar uma representação de si mesmo por meio da qual ele acredita poder se conhecer. Digo “acredita”, pois é razoavelmente pacífico que o maior desafio de conhecimento é “conhecer-se a si mesmo”, do que já sabiam os gregos lá pelo século VI ou VII a.C.
Essa representação não parte exclusivamente de S, mas dos estímulos que S recebe do ambiente, que condicionará parcialmente seus gostos e sua personalidade: por exemplo, se os pais de S forem demasiadamente protetores, S pode desenvolver expectativas de proteção em relação ao meio social; se forem demasiadamente negligentes, S pode considerar-se socialmente indesejável, e assim por diante, lembrando-se que os pais são só um exemplo.
Assim, S compreende e planeja seu comportamento a partir de uma representação de si mesmo que é sujeita a internalização de sugestões externas e revela-se necessariamente imperfeita e ilusória.
S deseja P, portanto, S conhece
P, o predicado (salvo se P for produto da imaginação de S, o que, como veremos, não fará muita diferença). Por conhecer P, S o representa do mesmo modo que representa a si mesmo, ou seja, pela seleção de uma série de traços que podem ou não corresponder ao verdadeiro P.
Portanto, para S, P não é um indivíduo concreto, mas apenas uma representação mental falível. Assim, quando dizemos “S deseja P”, na verdade S e P são apenas metáforas para “autorrepresentação de S” e “representação de P por S”, ambas, por definição, ilusórias e imperfeitas. Esclarecido isso, resta saber o que significa a cópula “desejar”.
Para tanto, vou me atribuir a prerrogativa de desprezar qualquer consideração do “desejo” enquanto sentimento indizível ou verdade íntima, afinal, os tempos românticos já passaram...
Houaiss registra: desejar = ter gosto ou empenho em (realizar algo); ter vontade de; ansiar, pretender, querer.
Como vimos, S comporta-se a partir de sua autorrepresentação, portanto, dizer que S tem gosto/vontade/anseio de algo significa dizer que S representa esse algo enquanto conveniente ou desejável para sua própria autorrepresentação. Dizer que “S deseja P”, significa, assim, dizer que S representa P de um jeito tal que P se apresenta como desejável para a autorrepresentação de S.
O “desejo”, portanto, é o resultado da interação entre duas representações imperfeitas no interior de S. Sua impressão de realidade primordial e indizível decorre exatamente da impossibilidade de explicitar suas condições, pois isso equivaleria não apenas a mostrar os erros das representações, mas também o caráter ilusório e meramente subjetivo do próprio relacionamento entre elas.
O “senso crítico”, nesse caso, não passa na verdade de uma necessidade acrítica segundo a qual os pressuposto fundamentais do relacionamento não podem ser explicitados sob o risco de revelarem a própria vacuidade do relacionamento. É verdade que P pode vangloriar-se de ter sido ele, e não O ou R, que S representou como desejável, mas nada lhe garante, ao menos no curto e médio prazos, que a representação de S seja minimamente verdadeira! Pelo contrário, é muito provável que ela seja falsa...
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