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As 10 chaves da eleição no Brasil
Dilma obteve aproximadamente o mesmo percentual de votos que Lula no primeiro turno das eleições presidenciais de 2002 (46%) e 2006 (47%): quase 47% (46,9%). Em fevereiro deste ano, quando Lula pediu sua proclamação como candidata ao Quarto Congresso do PT, sua intenção de voto era menor que a de Serra e era pouco conhecida pela população. Por isso seu resultado de ontem, é interessante: obteve 47 milhões de votos. Lula seguirá sendo chave na construção da vitória. Não só fará campanha como se ocupará ainda mais do desenho fino da campanha no segundo turno. O artigo é de Martín Granovsky, do Página/12.
Martín Granovsky - Página/12
A maioria das pesquisas dava vitória em primeiro turno para Dilma Rousseff, a candidata do Partido dos Trabalhadores e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Não aconteceu. Também essa a era a percepção da maioria dos dirigentes do PT e dos membros do governo, que agora deverão redefinir a estratégia para o segundo turno, no dia 31 de outubro. Outra surpresa foi a votação obtida pela candidata do Partido Verde e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que fez quase 20% dos votos. No entanto, o PT e seus aliados não enfrentam um quadro desesperador. Isso pode ser mostrado por meio dos dez seguintes elementos de análise eleitoral:
1. O Partido dos Trabalhadores conseguiu uma base territorial da qual carecia. A partir de 1° de janeiro de 2011, haverá governadores do PT em Sergipe, Bahia, Rio Grande do Sul e Acre, além do Distrito Federal, Brasília, onde tem altas possibilidades de vencer no segundo turno. Os aliados do PT ganharam, entre outros, os governos do Rio de Janeiro, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Piauí, Mato Grosso, Espírito Santo e Mato Grosso do Sul. Rio e Pernambuco (onde nasceu Lula) estão entre os principais Estados do país em população.
2. Em função dessas vitórias, o PT e seus aliados, principalmente o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), terão maioria no Senado. Só o PT, passou de 8 para 16 senadores. A coalizão oficial ampliou o número de sua bancada na Câmara de Deputados, ainda que os cálculos mais finos devam ser feitos após a divulgação dos resultados finais e da recontagem Estado por Estado.
3. O Partido dos Trabalhadores melhorou seus números no Estado de São Paulo, mas não triunfou. José Serra, do PSDB, de centrodireita, ganhou de Dilma em São Paulo por 41 a 37. É um pobre desempenho de Serra que no último debate jactou-se de sua maior experiência em gestão e recordou que foi prefeito da capital do Estado e governador paulista, cargo que deixou este ano para candidatar-se à presidência da República. Nas eleições para governador, por volta da meia noite de ontem, o petista Aloizio Mercadante esteve a ponto de obter o sucesso histórico de passar para o segundo turno, coisa que nunca havia ocorrido. Mas Geraldo Alckmin, candidato de Serra, superou por décimos a casa dos 50%. Serra foi derrotado por Lula nos dois turnos da eleição presidencial de 2002. E Alckmin ocupou o posto de perdedor nos dois turnos de 2006.
4. O PT ganhou o governo em outro Estado importante, o Rio Grande do Sul, com um de seus principais dirigentes nacionais, o ex-ministro Tarso Genro, que terminou com uma impressionante diferença de 30 pontos sobre o segundo colocado (um dirigente do PMDB) e de 36 pontos sobre o terceiro, do PSDB. No RS, Dilma também ganhou de Serra, mas só por seis pontos. Transferir parte dos votos de Tarso Genro para Dilma é um dos desafios nacionais para o segundo turno.
5. O Rio de Janeiro, por sua vez, coloca um problema sério para o PT. Dilma ganhou a eleição no RJ com 43,76%, mas Marina Silva obteve nada menos que 31,52%. Um aliado petista, Sergio Cabral, ganhou no primeiro turno com 66% dos cotos. Também aqui deveria ter funcionado a transferência de votos, que, como em qualquer país do mundo, não é um fenômeno simples ou automático.
6. Minas Gerais segue sendo, dos grandes Estados, o mais resistente ao PT em termos locais, porque ali venceu o PSDB de Serra no primeiro turno. No entanto, Dilma também ganhou ali por uma diferença importante: 47 contra 31 de Serra. Marina Silva fez uma grande votação, chegando a 21,26%.
7. Dilma obteve aproximadamente o mesmo percentual de votos que Lula no primeiro turno das eleições presidenciais de 2002 (46%) e 2006 (47%): quase 47% (46,9%). É verdade que, em boa medida, os votos se devem ao crescimento econômico, à importância internacional do Brasil, à justiça social e ao próprio Lula. Mas Dilma não tem o carisma nem a popularidade de Lula. Em fevereiro deste ano, quando Lula pediu sua proclamação como candidata ao Quarto Congresso do PT, sua intenção de voto era menor que a de Serra e era pouco conhecida pela população. Por isso seu resultado de ontem, é interessante: obteve 47 milhões de votos em eleições livres.
8. Marina Silva fez uma grande eleição, com 19,4% dos votos, e provocou um baque. Nenhuma pesquisa previu esse resultado. É possível que a ex-ministra de Lula deixe seus eleitores livres para votar, com o que uma parte poderia votar em branco (e favorecer, de fato, a Dilma, porque quem está na frente se beneficia do voto em branco ao aumentar o índice dos votos válidos) e outra dividir-se entre Dilma e Serra. Em nenhum lugar do mundo 20 milhões de votos do primeiro turno se movem em bloco no segundo. Se Marina concentrou o voto descontente com o PT, mas que não queria votar em Serra ou em candidatos ainda mais conservadores, se verá no segundo turno quanto há de descontentamento entusiasmado e quanto de temor de regresso de um presidente ligado, como Serra, à estagnação de Fernando Henrique Cardoso.
9. O PSDB retrocedeu notavelmente em governos e também no Senado. Também foi importante o retrocesso de vários dos antigos coronéis (chefes territoriais) que foram derrotados no Nordeste.
10. Lula seguirá sendo chave na construção da vitória. Não só fará campanha como, segundo anunciaram ontem à noite dirigentes do PT, se ocupará ainda mais do desenho fino dos dias que faltam até o segundo turno. Ele tem, pelo menos, cinco desafios: seduzir eleitores de Marina Silva, melhorar os índices do PT no Rio e em São Paulo, reduzir a abstenção no Nordeste (que chegou a cerca de 20%), convencer militantes e eleitores que não ter vencido no primeiro turno está longe de ser uma derrota, porque obviamente foi uma vitória, e reforçar a percepção de que o que foi alcançado socialmente nos últimos oito anos pode ser perdido em um único dia.
Tradução: Katarina Peixoto
http://altamiroborges.blogspot.com/2010 ... arina.html
E agora, Marina?
Reproduzo artigo de Mair Pena Neto, publicado no sítio Direto da Redação:
Nas primeiras eleições presidenciais pós-ditadura, em 1989, quando perdeu para Lula o direito de disputar o segundo turno contra Collor, Brizola, apesar do enfrentamento direto que teve com o petista na primeira fase do processo, não hesitou sobre que lado tomar. Foi quando cunhou a frase de que seria fascinante fazer a elite engolir o “sapo barbudo” e apoiou Lula, transferindo alguns dos milhões de votos que teve no primeiro turno.
Em um momento crucial para o país, que elegia seu primeiro presidente após 25 anos de ditadura, não havia meio termo. Ou se estava ao lado da candidatura das forças populares, naquele segundo turno, representadas por Lula, ou se estava com as elites e o “filhote da ditadura”, como Brizola, em mais uma de suas históricas tiradas, classificou Fernando Collor. Em toda a sua trajetória política, Brizola jamais teve dúvidas ideológicas. Principalmente, no momento das grandes decisões para a vida do país.
Agora, o Brasil volta a viver uma situação de encruzilhada. O segundo turno das eleições presidenciais terá o caráter plebiscitário que Lula quis apresentar desde o início. O que estará em jogo são dois projetos antagônicos. Um, representado por Dilma Rousseff, baseado no fortalecimento do Estado e na sua capacidade de promover o crescimento com redução das desigualdades. O outro, personificado por José Serra, pró-mercado, privatista, que entende o Estado apenas como gerente e não vê sentido em programas sociais de grande alcance, como o Bolsa Família.
Novamente, não há meio termo ou terceira via. Ou é um ou é outro. É nesta hora que se pergunta se Marina Silva, responsável por levar a eleição ao segundo turno, terá a grandeza de Brizola, se irá se aproximar da direita, ou, pior ainda, se amiudará politicamente e tomará a posição conveniente e covarde da neutralidade.
Marina também está numa encruzilhada. Sua votação acima do esperado e não captada em sua verdadeira dimensão por nenhum instituto de pesquisa a alçou a um novo patamar político. E nesta nova condição, ela precisa tomar partido na completa acepção do termo.
A partir de sua decisão tomaremos conhecimento de quem é a Marina que sai dessas eleições. Se a seringueira forjada pela luta de Chico Mendes, a ex-militante histórica do PT e ex-ministra do governo Lula, que sempre participou das lutas populares ao lado das forças da esquerda, ou uma evangélica conservadora, apoiada num confuso discurso ambientalista, com mais aceitação no empresariado do que na população.
Marina, não há dúvidas, foi a maior beneficiária da sucessão de “escândalos” midiáticos e da exploração eleitoral nas últimas semanas de campanha da fé das pessoas, através da disseminação em púlpitos e pela internet de temores envolvendo aborto e união de homossexuais, onda que aproveitou sem maiores questionamentos.
Com o segundo turno, tem a oportunidade de mostrar que é bem mais do que isso e se posicionar no espectro político que sempre defendeu, comprometido com um Brasil socialmente mais justo. A neutralidade nesse momento é uma não tomada de posição e será entendida como preocupação exclusiva com um projeto político pessoal, em detrimento do que é melhor para o povo brasileiro.
http://www.conversaafiada.com.br/pig/20 ... em-marina/
PiG foi para o lixo.
Religião votou em Marina
Não tem mais PiG (*).
Não tem debate na Globo.
Não tem Erenice.
Não tem Eduardo Jorge.
Não tem jatinho da Natura.
Não tem James Cameron.
Nada disso deu voto à Marina.
O Conversa Afiada tinha dito “Dilma tem que conquistar o voto religioso”.
O jornal Valor foi fazer o que antigamente os jornais faziam: reportagem.
Hoje, como se sabe, o PiG (*) não tem mais reportagem.
Tem opinião.
Ou “reportagem” produzida por uma Central Lunus 2010, para destruir personalidades – de preferência a do Lula.
A pág. A16 do Valor de hoje traz reportagem sobre o voto em Marina em Sabará, Minas; na Grande Recife; em Piquete, no Vale do Paraíba, SP; e em Volta Redonda, no Rio de Janeiro – áreas onde a Marina foi bem votada.
Em Sabará, não houve campanha da Dilma nem do Serra.
O Aécio só pediu voto para o Anastasia.
O vice prefeito é do PV.
Em Piquete, o que decidiu foi a forte religiosidade da região, que abriga a Basílica de Aparecida.
Ali se disseminou o rumor de que Dilma é a favor do aborto.
Em Volta Redonda, segundo o vice do Sergio Cabral, o Pezão, a instrução que líderes religiosos davam era clara: não votar na Dilma.
Em Recife, onde Eduardo Campos derrotou Jarbas de forma esmagadora, Marina se beneficiou do contágio do “segmento evangélico”.
Essa onda não foi “verde”.
Foi religiosa.
Quem acha que é “verde” é a urubóloga, que se abraça à Marina como uma bóia de salvação.
Marina é o último e passageiro vínculo do PiG (*) com o poder real.
Não adianta os malufistas do Bom (?) Dia Brasil dizerem que um assalto a uma carrocinha de pipoca no Paraná é culpa do Lula.
Pode desentocar o Eduardo Jorge.
A Erenice.
O mensalão.
Pode jogar a Globo no limite da desobediência civil – e da cassação da concessão.
Pode esconder as vaias ao Serra.
Pode a Folha (**) dizer que o PT vai tirar o aborto do programa – outra mentira, como demonstrou o Marco Aurélio Garcia.
Não adianta nada.
Esse voto foi para a Marina por mecanismo autônomo, inacessível à pregação Golpista.
Se você chegar em Sabará e perguntar pelo Alexandre Garcia, eles vão pensar que é o açougueiro.
Sorry, Ali Kamel, mas você não está nesse jogo.
Essa batalha se travará num campo já previamente inclinado a favor da Dilma.
Ela precisa de 3 milhões de votos e o Zé Baixaria, de 18 milhões.
A distância entre eles é de um eleitorado de Minas.
Nesse campo inclinado, a luta será entre a pregação visível, ostensiva, pública e transparente da Dilma.
E a treva da baixaria que beneficia o Serra.
De um lado, a disputa do voto dos religiosos, com argumentos que os convençam de que a Dilma apóia o aborto que está na Constituição: em caso de estupro ou de risco de vida.
De outro, a turma que se inspira nos baixios do Serra.
Este ordinário blogueiro sempre disse que a baixaria é a ultima arma do Serra.
Como diz o Ciro, que entende de Serra como ninguém: o Serra não tem escrúpulos: se preciso for, passa com um trator por cima da mãe.
A arma mais eficaz para beneficiar o Serra é a que foi usada no primeiro turno.
Espalhar o medo.
O “tenho medo” da Regina Duarte foi substituído pelo “tenho medo” do aborto.
Era o Golpe do Medo, agora é o Golpe do Aborto.
A essência é a mesma: Golpe.
Como o Bush: “tenho medo do Bin Laden”.
Como enfrentar essa campanha sórdida, subterrânea ?
Aparentemente, a Dilma tomou medidas apropriadas.
Chamou o Ciro para desafiar o Serra no tom apropriado: aos berros.
Serra tinha dito que Ciro era um fósforo apagado.
Apagado ?, como ?, se ainda queima.
Eduardo Campo vai empenhar seus 80% em Pernambuco.
Sergio Cabral e Pezão os seus 65%.
Patrus, católico fervoroso, o homem do Bolsa Família, pode passar em Sabará e falar um pouco da Dilma.
Não precisa falar do Serra, porque, lá, nem o Aécio falou dele.
E os líderes religiosos que conhecem a Dilma, apoiaram a Dilma e agora vão para o horário eleitoral.
É só divulgar o que aconteceu com o Chalita.
Bastou ele romper com o Serra para ser perseguido por uma campanha abjeta nas redes sociais e no Youtube.
Serra está em casa.
É o seu habitat – a vala negra, que também corta a redação da Veja, essa escória, como diz o Ciro.
Agora, uma pergunta: quais são as credenciais para Serra herdar os votos da Marina ?
Credenciais “verdes”, ele não tem: basta respirar às margens dos rios que cortam a cidade de São Paulo.
Evandro Lins e Silva defendeu Samuel Wainer numa batalha judicial que Carlos Lacerda, outro pai do Serra (***), moveu contra ele.
Lacerda assegurava que Samuel tinha nascido na Bessarábia e, portanto, não podia ser dono da Última Hora.
A lei dizia que só brasileiro podia ser dono de jornal.
Evandro tinha lá as dúvidas dele.
Mas, a certa altura, Samuel apareceu com uma testemunha bomba: o rabino que o tinha circuncidado, na Tijuca.
Evandro me contou que, tempos depois, ele soube que o rabino, coitado, tinha caído na lábia do Samuel e mentiu.
Por hipótese, a equipe do Serra pode produzir duas testemunhas bombas, até o fim da eleição.
O membro do PCC que trabalhou para a Dilma.
E São João Batista que o batizou no Jordão.
Ou o rabino que o circuncidou.
Paulo Henrique Amorim
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Voto em Marina não é ecológico, mas também não evangélico
Antonio Luiz M. C. Costa 5 de outubro de 2010 às 19:04h
A religião e a legalização do aborto se tornaram os grandes temas nacionais, capazes de decidir os rumos da eleição presidencial, conforme parecem defender alguns comentaristas? Parece-nos antes que isso é um mal-entendido, que se for levado a sério pode distorcer terrivelmente os rumos de campanhas e de programas políticos. Considere-se, para começar, a distribuição geográfica, por atacado, dos votos em Marina.
Como se sabe, os votos de Dilma, assim como os votos de Lula em 2006, concentram-se em um arco leste-norte, que vai do Espírito Santo e norte de Minas ao Amazonas, com centro de gravidade no Nordeste. Os votos de Serra, assim como os votos em Alckmin de 2006, concentram-se em um eixo que sai do Sul, tem o centro de gravidade em São Paulo e se estende ao Mato Grosso, com alguns enclaves nas fronteiras nortistas do agronegócio (interior do Pará, Acre, Roraima). A maior diferença em relação ao quadro do primeiro turno de há quatro anos é que o Rio Grande do Sul, em boa parte, “avermelhou”.
O voto da Marina, tido como “verde” – mas só em um sentido convencional, já que só secundariamente tem algo a ver com ambientalismo e menos ainda com a pequena votação do Partido Verde a cargos no legislativo – concentra-se principalmente na fronteira entre as regiões “vermelha” e “azul”: no Sudeste e Centro-Oeste – Minas Gerais, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Goiás, Tocantins – embora também sejam significativas, e muito importantes em termos absolutos, as votações em São Paulo, Paraná e nas metrópoles do Nordeste, nos “corações” políticos dos adversários.
Em grandes números, 25% da votação de Marina veio de São Paulo, 28% dos outros estados do Sudeste, 21% do Nordeste, 11% do Sul (principalmente Paraná), 8% do Centro-Oeste e 7% no Norte – muito pouco, por sinal, de seu estado natal, o Acre. Suas votações mais fracas foram as dos estados mais pobres do Nordeste, Maranhão, Piauí e Alagoas (também Sergipe, exceção nesse aspecto) e dos estados politicamente mais polarizados ou com intensas disputas de terras – Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Mato Grosso, Rondônia, Pará – onde há menos espaço para conciliação e “terceira via”.
Só por isso, já é de se pensar que Marina ocupa de fato o espaço que reivindicou ao longo da campanha: de um progressismo moderado, uma terceira via “centrista” entre o PT e o PSDB. Impreciso, com certeza, mas igualmente são imprecisas as ideias políticas de uma parcela importante do eleitorado, chamada “nova classe média”, a classe C ascendente.
É uma camada principalmente urbana, que progrediu em relação aos pais pobres e mal educados, tem certa educação, até superior, está decentemente empregada e precisa cada vez menos de programas sociais como o Bolsa-Família, do SUS ou de novos projetos de saúde e saneamento. Ao mesmo tempo, é mestiça, não está à vontade com a “alta cultura”, tem gostos populares e se sabe desprezada pela elite tradicional. Não se identifica totalmente com as prioridades da esquerda – redução da desigualdade e crescimento econômico – mas também não com as da direita – conservação de privilégios disfarçados em competência e meritocracia. Busca um meio-termo que, assim como Marina, não sabe definir com precisão e chama de “mudança”.
É uma camada que se identifica mais com a história pessoal de Marina, uma ex-empregada doméstica alfabetizada pelo Mobral que “subiu na vida”, fez curso superior e uma carreira política pacífica e respeitada, do que com a carreira de um integrante convencional da elite política como Serra ou com o passado combativo de uma ex-guerrilheira como Dilma. Que tem um vago receio do “comunismo” e do MST e se esforça por se diferenciar das “massas” pobres e turbulentas e hesita em dar um cheque em branco a Dilma e ao PT. Não é a parcela da opinião pública mais conservadora, nem a que tem seu voto definido pelo padre, pelo pastor ou pela questão do aborto. Estes provavelmente votaram em Serra.
Esta interpretação se reforça quando se desce ao detalhe dos votos por município. Recife, capital do estado natal de Lula, não tem uma proporção excepcional de evangélicos pelos padrões brasileiros: apenas 17,6%. Mas 37% dos recifenses votaram em Marina (42% em Dilma, 19% em Serra). Já o município pernambucano de Abreu e Lima, o mais evangélico do estado (31,2%) teve 27% de votos em Marina, 52% em Dilma e 15% em Serra.
No Rio de Janeiro, Marina teve 29% em um município de alta concentração de evangélicos (30%) como Belford Roxo, 32% na capital (17,7% evangélica) e 37% em Niterói (15,3% evangélica), enquanto Dilma teve 57%, 43% e 35%, respectivamente, nesses municípios (e Serra 12%, 22% e 25%).
A abstenção acima do esperado explica alguma coisa? Não. Se alguém achou surpreendente que a soma de ausências, votos nulos e brancos no Nordeste tenha chegado a 29,34%, devia pensar de novo, pois no primeiro turno de 2006 foi 27,01%. Esses 2,33% de diferença – mesmo que fossem todos votos em Dilma, o que é muito improvável – não explicam por que a votação nela ficou algo abaixo de 60% nos principais estados, em vez dos mais de dois terços que se chegou a esperar. No conjunto do país, o não comparecimento às urnas foi 16,75% em 2006 e 18,12% em 2010: um aumento de apenas 1,37%.
Pode ser, porém, que os institutos de pesquisa tenham deixado de levar em conta as diferenças históricas de comparecimento entre as regiões ao ponderar as médias nacionais das intenções de voto e com isso tenham superestimado a votação em Dilma. Se fizeram isso, poderiam ter evitado o erro. Nos EUA, como em muitos outros países, as pesquisas sempre indagam ao eleitor se ele pretende votar. O fato de o voto ser teoricamente obrigatório no Brasil não justifica negligenciar o fator abstenção.
O mais importante, porém, é que candidatos, partidos e analistas percebem que a decisão do segundo turno não depende de propaganda religiosa ou anti-religiosa, de se ser contra ou a favor da legalização do aborto, mas de convencer um eleitorado centrista e flutuante, desconfiado tanto da esquerda quanto da direita, de que seus interesses práticos e racionais estão mais de um lado que de outro. É muito mais fácil para Dilma do que para Serra – até porque a vitória de Dilma depende de conquistar apenas 16% do voto em Marina, mesmo sem contar os 1% de Plínio que, no segundo turno, poderão votar nulo ou em Dilma, mas jamais em Serra. Mas superestimar a importância do voto religioso e conservador só vai atrapalhar.
Antonio Luiz M. C. Costa
Antonio Luiz M.C.Costa é editor de internacional de CartaCapital e também escreve sobre ciência e ficção científica.
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Eleições 2010 e os aproveitadores da boa fé da crueldade evangélica
Segunda Igreja 6 de outubro de 2010 às 17:14h
Por Rev. Sandro Amadeu Cerveira*
Talvez eu tenha falhado como pastor nestas eleições. Digo isso porque estou com a impressão de ter feito pouco para desconstruir ou no pelo menos problematizar a onda de boataria e os posicionamentos “ungidos” de alguns caciques evangélicos. [1]
Talvez o mais grotesco tenham sido os emails e “vídeos” afirmando que votar em Dilma e no PT seria o mesmo que apoiar uma conspiração que mataria Dilma (por meios sobrenaturais) assim que fosse eleita e logo a seguir implantaria no Brasil uma ditadura comunista-luciferiana pelas mãos do filho de Michel Temer. Em outras o próprio Temer seria o satanista mor. Confesso que não respondi publicamente esse tipo de mensagem por acreditar que tamanha absurdo seria rejeitada pelo bom senso de meus irmãos evangélicos. Para além da “viagem” do conteúdo a absoluta falta de fontes e provas para estas “notícias” deveria ter levado (acreditei) as pessoas de boa fé a pelo menos desconfiar destas graves acusações infundadas. [2]
A candidata Marina Silva, uma evangélica da Assembléia de Deus, até onde se sabe sem qualquer mancha em sua biografia, também não saiu ilesa. Várias denominações evangélicas antes fervorosas defensoras de um “candidato evangélico” a presidência da república simplesmente ignoraram esta assembleiana de longa data.
Como se não bastasse, Marina foi também acusada pelo pastor Silas Malafaia de ser “dissimulada”, “pior do que o ímpio” e defender, (segundo ele), um plebiscito sobre o aborto. Surpreende como um líder da inteligência de Malafaia declare seu apoio a Marina em um dia, mude de voto três dias depois e a apenas 6 dias das eleições desconheça as proposições de sua irmã na fé.
De fato Marina Silva afirmou (desde cedo na campanha, diga-se de passagem) que “casos de alta complexidade cultural, moral, social e espiritual como esses, (aborto e maconha) deveriam ser debatidos pela sociedade na forma de plebiscito” [3], mas de fato não disse que uma vez eleita ela convocaria esse plebiscito.
O mais surpreendentemente, porém foi o absoluto silêncio quanto ao candidato José Serra. O candidato tucano foi curiosamente poupado. Somente a campanha adversária lembrou que foi ele, Serra a trazer o aborto para dentro do Sistema Único de Saúde (SUS) [4]. Enquanto ministro da saúde o candidato do PSDB assinou em 1998 a norma técnica do SUS ordenando regras para fazer abortos previstos em lei, até o 5º mês de gravidez [5]. Fiquei intrigado que nenhum colega pastor absolutamente contra o aborto tenha se dignado a me avisar desta “barbaridade”.
Também foi de estranhar que nenhum pastor preocupado com a legalização das drogas tenha disparado uma enxurrada de-mails alertando os evangélicos de que o presidente de honra do PSDB, e ex-presidente da República Fernando Henrique Cardoso defenda a descriminalização da posse de maconha para o consumo pessoal [6].
Por fim nem Malafaia, nem os boateiros de plantão tiveram interesse em dar visibilidade à notícia veiculada pelo jornal a Folha de S. Paulo (Edição eletrônica de 21/06/10) nos alertando para o fato de que “O candidato do PSDB à Presidência, José Serra, afirmou nesta segunda-feira ser a favor da união civil e da adoção de crianças por casais homossexuais.” [7]
Depois de tudo isso é razoável desconfiar que o problema não esteja realmente na posição que os candidatos tenham sobre o aborto, união civil e adoção de crianças por homossexuais ou ainda a descriminalização da maconha. Se o problema fosse realmente o comprometimento dos candidatos e seus partidos com as questões acima os líderes evangélicos que abominam estas propostas não teriam alternativa.
A única postura coerente seria então pregar o voto nulo, branco ou ainda a ausência justificada. Se tivessem realmente a coragem que aparentam em suas bravatas televisivas deveriam convocar um boicote às eleições. Um gigantesco protesto a-partidário denunciando o fato de que nenhum dos candidatos com chances de ser eleitos tenha realmente se comprometido de forma clara e inequívoca com os valores evangélicos. Fazer uma denúncia seletiva de quem está comprometido com a “iniquidade” é, no mínimo, desonesto.
Falar mal de candidato A e beneficiar B por tabela (sendo que B está igualmente comprometido com os mesmo “problemas”) é muito fácil. Difícil é se arriscar num ato conseqüente de desobediência civil como fez Luther King quando entendeu que as leis de seu país eram iníquas.
Termino dizendo que não deixarei de votar nestas eleições.
Não o farei por ter alguma esperança de que o Estado brasileiro transforme nossos costumes e percepções morais em lei criminalizando o que consideramos pecado. Aliás tenho verdadeiro pavor de abrir esse precedente.
Não o farei porque acredite que a pessoa em quem votarei seja católica, cristã ou evangélica e isso vá “abençoar” o Brasil. Sei, como lembrou o apóstolo Paulo, que se agisse assim teria de sair do mundo.
Votarei consciente de que os temas aqui mencionados (união civil de pessoas do mesmo sexo, descriminalização do aborto, descriminalização de algumas drogas entre outras polêmicas) não serão resolvidos pelo presidente ou presidenta da república. Como qualquer pessoa informada sobre o tema, sei que assuntos assim devem ser discutidos pela sociedade civil, pelo legislativo e eventualmente pelo judiciário (como foi o caso da lei de biossegurança) [8] com serenidade e racionalidade.
Votarei na pessoa que acredito representa o melhor projeto político para o Brasil levando em conta outras questões (aparentemente esquecidas pelos lideres evangélicos presentes na mídia) tais como distribuição de renda, justiça social, direitos humanos, tratamento digno para os profissionais da educação, entre outros temas. (Ver Mateus 25: 31-46) Estas questões até podem não interessar aos líderes evangélicos e cristãos em geral que já ascenderam à classe média alta, mas certamente tem toda a relevância para nossos irmãos mais pobres.
__________________
[1] As afirmações que faço ao longo deste texto estão baseadas em informações públicas e amplamente divulgadas pelos meios de comunicação. Apresento os links dos jornais e documentos utilizados para verificação.
*Matériaoriginalmente publicada no site Segunda Igreja
Segunda Igreja Presbiteriana de Belo Horizonte