http://www.pt.org.br/portalpt/opinioes/ ... 22351.html
Onde estavam os supostos democratas na era FHC?
À medida que as possibilidades de vitória de Dilma Rousseff no primeiro turno se tornam mais reais, a sensibilidade às “ameaças à democracia” fica crescentemente aguçada. E distorcida. No caso do Brasil de hoje, as ameaças, segundo grupos da oposição, provêm, paradoxalmente, do próprio voto popular.
Essa parece ser a tese dos chamados “formadores de opinião” que querem mobilizar o País em “defesa da democracia”. Inspirados por um neoudenismo opaco e alimentados por um mal disfarçado ressentimento político, esses autodenominados “democratas convictos” insurgem-se, agora, contra a “visão regressiva do processo político”, que transforma o “Legislativo em extensão do Executivo” e “viola a Constituição e as leis”. Temem, acima de tudo, que Lula não apenas consiga eleger a sua sucessora, mas também que a situação obtenha votos suficientes para fazer uma folgada maioria no Congresso. Tal perspectiva, se concretizada, abriria, segundo esses “democratas convictos”, o caminho para o “autoritarismo” baseado no “partido único” (qual deles?) e na definitiva “fragilização da oposição”.
Como parlamentar que viveu a experiência dos 8 anos de FHC na oposição, e hoje no governo, posso avaliar o comportamento dos atuais oposicionistas, cuja dificuldade de atuar fica evidente na tentativa de golpear de forma baixa o Governo Lula, e de, ao melhor estilo lacerdista, mas sem a mesma competência e brilho, ganhar o jogo a qualquer custo, tentando impedir a continuidade desse projeto, agora sob comando de Dilma Roussef.
Tal preocupação é deveras tocante é têm sólidas raízes na história recente do Brasil. De fato, na época do regime militar, havia também muitos “democratas convictos” que se insurgiam contra a perspectiva do destino do País ser entregue ao arbítrio das massas populares “que não sabiam votar” e que se constituíam em apenas “massa de manobra para interesses populistas”.
Posteriormente, já no regime democrático, houve casos em que o voto popular conduziu a situações em que as oposições se viram extremamente fragilizadas e o governo pode promover, a seu bel-prazer, profundas reformas constitucionais e legais, transformando o “Legislativo em mera extensão do Executivo”. Esse foi o caso, por exemplo, do governo Fernando Henrique Cardoso.
Com efeito, turbinado pelo Plano Real, que produziu efeitos distribuidores de renda no curto prazo e promoveu o chamado “populismo cambial”, o governo FHC conseguiu formar uma maioria parlamentar e política que faria corar o democrata mais convicto. Na Câmara dos Deputados, o que os atuais “defensores da democracia” chamam de “partido único” tinha apenas 49 parlamentares e a oposição como um todo reunia pouco mais que uma centena de deputados. Assim, o governo FHC tinha à disposição uma maioria acachapante de quase 400 parlamentares. No Senado, a situação era pior (ou melhor, para os “democratas convictos”), o PT tinha cinco senadores e a oposição como um todo menos do que 20.
Tal maioria permitiu que, do alto da presidência da Câmara, o deputado Luiz Eduardo Magalhães operasse, alegre e profusamente, o seu famoso “rolo compressor” para aprovar reformas constitucionais e legais bastante abrangentes, sempre a serviço “dos interesses maiores do País”, é claro, como a abertura, sem critérios, das portas da economia brasileira ao capital estrangeiro, e a antinacional privatização do patrimônio público, com regras benevolentes e muitas vezes com ajuda do BNDES. E as medidas provisórias, que naquela época podiam ser reeditadas, foram usadas com proverbial prodigalidade. Obviamente, tudo isso era obedientemente ratificado pelo Senado, sem nenhum questionamento expressivo. Já ao final do primeiro governo FHC, tal maioria inconteste permitiu, inclusive, que se aprovasse a emenda constitucional da reeleição, com os aplausos entusiásticos dos que hoje se dizem “democratas convictos”, que não levantaram suas vozes contra a denúncia de compra de votos para aprovar a medida que beneficiou o sociólogo tucano e sua turma.
É de conhecimento até do reino mineral que, comparado com aquele governo, o governo Lula teve e tem uma situação politicamente bem mais difícil, especialmente no Senado. Apesar disso, o nosso governo investiu bastante no aprimoramento das instituições republicanas e na articulação entre o Estado e os movimentos sociais, com o aprofundamento da democracia. Fizemos conferências setoriais, envolvendo, entre outras áreas, saúde, educação, segurança pública, e ainda criamos o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, com a participação de empresários e trabalhadores, para a definição de importantes políticas públicas. Ao mesmo tempo, as liberdades fundamentais, como a liberdade de expressão, foram inteiramente protegidas e promovidas. Essas iniciativas, a adoção de mais transparência e o fortalecimento das instituições de controle, como a Polícia Federal e a Controladoria Geral da União, “seriam ameaças à democracia”, na leitura desses “democratas”.
Saliente-se que a extrema fragilidade da oposição da época de FHC tinha dois sérios agravantes. Em primeiro lugar, vivíamos a hegemonia inconteste do paradigma neoliberal, do pensamento único. Assim, os parcos e débeis protestos da oposição eram sempre rapidamente desclassificados como manifestações “jurássicas” e “neobobas”. Em segundo, a grande mídia, hoje confessadamente um partido de oposição, era, naquela época, um dedicado partido da situação cujo alinhamento aos desígnios governamentais só pode ser definido, a posteriori, como espartano. Curiosa essa queixa da imprensa de hoje, que viveu, com honrosas exceções, sob o manto monolítico do pensamento único neoliberal defendido pelo PDSB e PFL (atual DEM) e agora vem dizer que é ameaçada pelo governo do PT. O PIG virou um verdadeiro PRI: não quer mudanças e julga ter todo o poder para não dar satisfações a ninguém.
Tudo isso é plenamente conhecido por quem tem um pouco de memória histórica. Contudo, há um mistério que permanece insolúvel. Onde estavam os “democratas convictos” naquela conjuntura de intensa “ameaça à democracia”, segundo seus próprios critérios? Por que aplaudiram as fáceis eleições de FHC em primeiro turno e agora dizem que a eventual eleição de Dilma na primeira rodada seria um “desastre para a democracia”? Por que não consideravam a amplíssima maioria política e parlamentar que FHC dispunha no Congresso como um limitador ao exercício da democracia? Por que não se preocuparam com o isolamento e a debilidade da oposição daquele período? Por que não se insurgiram contra a inoperância do “engavetador geral da República”? Por que aplaudiram e ajudaram a promover a criminalização dos movimentos sociais? Por que o pensamento único não foi contestado?
É difícil saber onde estavam os que hoje se dizem “democratas”. Talvez a principal pista nos seja revelada por Dante. É provável que eles estivessem na sexta vala do “Malebolge”, exibindo as suas incômodas vestes de chumbo. Hoje, sem dúvida, estão sintonizados com seus patrões donos das concessões de emissoras e outros meios de comunicação, e claramente comprometidos com uma visão política pequena e distorcida de oposição ao Governo Lula.
De qualquer modo, sua alegre e livre emergência, agora exibindo plumagem específica, talvez se constitua na principal evidência do caráter democrático do Brasil, sob o Governo Lula.
Fernando Ferro é eputado federal (PT-PE), líder do partido na Câmara Federal.
http://www.advivo.com.br/blog/luisnassi ... democracia
Os que "defendem a democracia"
VLADIMIR SAFATLE
Folha de S.Paulo
27/09/2010
A RETA FINAL desta campanha presidencial talvez seja lembrada como o início de um certo realinhamento da política brasileira. Durante o governo Lula, vimos várias críticas às práticas políticas do consórcio governista. De fato, um dos pontos fracos do governo foi a ausência de vontade política capaz de ultrapassar os vícios institucionais da democracia brasileira, suas negociações obscuras, impronunciáveis, assim como de inaugurar um ciclo de aprofundamento das práticas de participação popular na gestão do Estado.
No entanto, não foram problemas dessa natureza que levaram a oposição a terminar a campanha presidencial vociferando acusações como "fascismo", "igual a Mussolini", "chavismo", "autoritarismo" e "destruidor da liberdade de expressão e da democracia". Uma subida de tom que, provavelmente, não desaparecerá nos próximos anos. Por trás dessa "defesa" da democracia e da liberdade, há uma estranha mutação do sentido das palavras. Isto a ponto de podermos dizer que, com defensores desta natureza, a democracia brasileira não precisa de inimigos.
Por exemplo, eles gostam de dizer que a democracia exige instituições fortes e estáveis, mas normalmente temem qualquer um que lembre que, acima de tudo, a democracia exige poder instituinte soberano e sempre presente.
A democracia nunca temeu modificar e reconstruir instituições que funcionam mal. Poderia arrolar aqui a história da estrutura institucional de países como a França, para ficar em apenas um exemplo.
O fato realmente mortal para a democracia é quando alguns conseguem impor a opinião de que o aumento da visibilidade do poder instituinte, da força da participação popular, é um risco à "normalidade institucional". Tentar desqualificar a discussão sobre a participação popular como "chavismo" é tão tosco quanto dizer que a democracia parlamentar não passa da figura política da gestão do capital.
Por outro lado, acusar o governo de atentar contra a liberdade quando afirma que certos órgãos de imprensa agem como partidos políticos é, isso sim, querer ignorar a natureza do embate democrático.
É absolutamente normal que certos setores da imprensa sejam claramente definidos do ponto de vista ideológico e que tomem posição a partir disso. Da mesma forma, é normal que setores da classe política procurem criticar tais pontos de vista. O governo Barack Obama afirmou, com todas as letras, que a Foxnews agia como um partido político e, nem por isso, foi comparado a Mussolini. Não há por que ver algo diferente no caso brasileiro.
Uma certa serenidade a respeito das relações entre mídia e democracia é mais do que necessária atualmente. Contrariamente ao que querem alguns, a imprensa não é responsável por todos os males do país, nem os casos de corrupção foram invenções das Redações. No entanto, discussões sobre avaliação de concessões públicas de meios de comunicação, oligopolização e concentração do mercado de informações, criação de órgãos e conselhos públicos de fiscalização não escondem, necessariamente, a sanha de destruir a liberdade de expressão.
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP
http://noticias.terra.com.br/eleicoes/2 ... rdade.html
Mídia duela em debate sobre democracia e liberdade
25 de setembro de 2010 • 15h07 • atualizado às 18h14
Gilberto Nascimento
Priscila Tieppo
A oito dias do primeiro turno das eleições, revistas semanais brasileiras já nas bancas abordam o momento político do País de forma diametralmente opostas. O tema central de Veja e de Carta Capital é a discussão sobre a liberdade de imprensa. Mais do que isso, é a visão que cada uma tem do processo político e do conceito de democracia. Carta Capital comenta atos de nítida inspiração "conservadora" organizados e em "marcha" contra o atual governo. Veja sustenta que a liberdade e a "imprensa livre" no País estariam sob ameaça. Na quarta-feira (22), o presidente Lula disse, em entrevista exclusiva ao Terra, que a comunicação no País "é dominada por nove ou dez famílias" e que a imprensa "tem candidato", embora não diga às claras quem é ele; o candidato. Em editorial, na edição deste sábado (20), o jornal O Estado de S.Paulo trata do tema. As revistas Época e IstoÉ também.
Carta Capital lembra a Marcha com Deus pela Família e pela Liberdade e outras manifestações públicas organizadas por setores "conservadores" da sociedade, entre 1963 e 1964, que resultaram na derrubada do poder do então presidente João Goulart. Com o título de capa "Eles ainda sonham com a marcha", Carta Capital diz que, "em desespero" diante da possível vitória da candidata petista à presidência Dilma Rousseff, a oposição "tenta evocar fantasmas do passado, alimentada pela mídia".
A revista traça um paralelo entre a Marcha com Deus pela Família e um ato "contra o autoritarismo", realizado na quarta-feira (22), saudado por uma parcela da mídia como reação indignada da "sociedade civil". No ato, que contou com a participação de militantes do PSDB e ex-ministros do governo FHC, como José Gregori e José Carlos Dias, foram feitas duras críticas ao presidente Lula e ao seu governo.
Outra reportagem da revista, assinada pelo jornalista Mino Carta, diretor de redação, fala da exigência feita pela vice-procuradora da Justiça Eleitoral, Sandra Cureau, para que Carta Capital entregasse, no prazo de cinco dias, documentação completa sobre o relacionamento publicitário da revista com o governo federal. A procuradora dizia ter recebido uma denúncia anônima. A revista chama Sandra Cureau de "a censora" e também vê sua atitude como "uma tentativa de assalto à liberdade de imprensa".
Além disso, a publicação traz como contraponto uma relação de contratos do governo de São Paulo, administrado pelo PSDB, com grandes grupos de comunicação do País, como a Editora Abril, Folha de S.Paulo e O Estado de S.Paulo.
Com a Editora Abril, relata Carta Capital, o governo tem compras de assinaturas das revistas Nova Escola, Veja, Guia do Estudante e Recreio. A da Nova Escola, por exemplo, é a aquisição de 220 mil, assinaturas para Unidades Escolares da Rede Estadual de Ensino, no valor de R$ 3.740.000,00. Já a Veja soma 5.449 assinaturas no valor de R$ 1,16 milhão.
Além da editora, os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo e Editora Globo também mantém contratos com o governo, de acordo com a publicação, informa Carta Capital. Nas negociações, a Folha vendeu 5.200 assinaturas anuais para escolas da Rede Estadual de Ensino do Estado de São Paulo com valor de R$ 2,5 milhões. O Estado de S. Paulo também vendeu 5.200 assinaturas do jornal destinadas às escolas estaduais no valor de R$ 2,5 milhões. Já a Editora Globo tem um contrato de 5.200 assinaturas para as escolas da revista Época de R$ 1,2 milhão.
Veja
A Veja, em sua principal reportagem, trata do que entende serem riscos à democracia no País. Sua capa traz o título: "A liberdade sob ataque" e diz, no subtítulo, que "a revelação de evidências irrefutáveis de corrupção no Palácio do Planalto renova no presidente Lula e no seu partido o ódio à imprensa livre".
Ainda na capa, a Veja cita a Constituição brasileira que prevê a liberdade do pensamento, expressão e da informação e no texto intitulado "A imprensa ideal dos petistas" diz que o governo Lula e o PT "sacam do autoritarismo e atiram na imprensa, que acusam de ser golpista e inventar histórias", por não quererem "jornalismo nenhum".
Em outro texto, a revista repercute as denúncias contra a ex-ministra da Casa Civil Erenice Guerra, a partir de um depoimento do ex-diretor dos Correios Marco Antônio de Oliveira. Apontado como "lobista", Oliveira diz que "a Casa Civil virou uma roubalheira(...). Esta "roubalheira", afirma Oliveira, "levou minha família à ruína". A publicação faz críticas às denúncias de lobby e aponta a relação entre um sobrinho de Marco Antônio, Vinicius Castro, ex-assessor da Casa Civil, com a família de Erenice Guerra.
IstoÉ
A revista IstoÉ aborda em sua capa "O avanço da onda vermelha". Mostra a base política que o governo deve conquistar no Congresso com a possível vitória de Dilma. O eventual governo Dilma tende a garantir "uma quase inédita maioria governista no Congresso".
A revista utiliza os dados das últimas pesquisas para mostrar que a candidata petista está à frente de José Serra, candidato do PSDB à presidência, em locais que Lula foi vencido pela oposição em 2006.
Em outra reportagem, IstoÉ denuncia, a partir de documentos em poder da Procuradoria-Geral da República, um suposto envolvimento de Hélio Costa, ex-ministro das Comunicações e candidato ao governo de Minas Gerais pelo PMDB, em desvio de R$ 169 milhões da Telebrás. Costa, de acordo com a revista, é investigado porque teria participado de um esquema de lavagem de dinheiro envolvendo a estatal.
Época
Já a capa da revista Época traz o humorista Tiririca, candidato a deputado federal em São Paulo pelo PR. A reportagem traz indícios de que ele seja analfabeto e que, se vencer, poderá ser o deputado mais votado do País.
Na Época, a reportagem intitulada "O novo ataque de Lula à mídia" fala das últimas declarações do presidente sobre o assunto e ressalta algo que, em meio ao tiroteio, passa despercebido. Não é Época que faz a seguinte pergunta:
- A três meses do fim do seu mandato e há quase 8 anos na presidência da República, qual teria sido a ação de Lula contra algum órgão de comunicação?
Mas, é a revista Época que observa: "Apesar de todas as manobras e discursos contra a imprensa, até o momento não houve por parte do governo nenhuma medida concreta de censura ou cerceamento à liberdade de expressão."
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Qual a origem desse ódio?
Como o Estadão enxerga um mau exemplo num sujeito reeleito e com 80% de aprovação popular, que mal consegue andar, onde quer que vá? Por que tanta raiva? Qual a origem desse ódio? Por que o Estadão não alertou o Brasil, em 2002, que o projeto de governo tucano objetivava perpetuar-se no poder a fim de assegurar “o bem-estar da tucanagem”?
Marcelo da Silva Duarte
Blog de Marcelo da Silva Duarte - La Vieja Bruja
Um editorial que poderia ter entrado para a história recente da democracia brasileira como exemplo de amadurecimento da liberdade de expressão, respeito ao processo eleitoral e à cidadania, acabou revelando todo o ódio de classe que a elite paulista nutre pelo projeto político petista para o Brasil.
Todo partido político tem direito a um projeto de governo. O PSDB de José Serra e Fernando Henrique Cardoso planejava, em 20 anos, fazer com que o Brasil esquecesse a era Vargas. Escolheu, para viabilizá-lo, a despeito do substantivo composto “social-democracia” em sua sigla, mero embuste semântico, o pensamento neoliberal.
O conceito de modernização com o qual o PSDB trabalhava nos anos FHC passava, necessariamente, pelas teses enunciadas pelo Consenso de Washington. O projeto tucano de desenvolvimento traduziu tal aparente consenso pela (i) estabilização macroeconômica via superávit fiscal, à custa do sucateamento dos serviços públicos, pela (ii) tentativa de realização das ditas reformas estruturais, traduzidas pelas (a) privatizações – que entregaram à iniciativa privada, diga-se de passagem, a preço de banana, a Vale do Rio Doce, destino do qual se safou, por pouco, a hoje primeira maior empresa petrolífera do mundo em lucro sobre faturamento, a Petrobras –, pela (b) redução do papel e da atividade normativa do Estado na economia – dinossauro ao qual recorreram, na recente bancarrota mundial, 9 entre 10 economistas antes neoliberais – e desregulamentação do mercado financeiro, a fim de atrair, pela terceira maior taxa de juros da economia mundial, o que também freava o consumo e mantinha a inflação sob controle, o capital especulativo internacional – grande responsável pela referida bancarrota –, e, por fim, pela (iii) retomada do investimento via iniciativa privada, donde a concentração de renda e de capital na mão de setores empresariais e a tentativa, incompleta, de quebra da coluna vertebral do sindicalismo via flexibilização das leis trabalhistas, o que praticamente anularia seu poder de barganha pela formação de um exército de mão-de-obra de reserva, a chamada “taxa natural” de desemprego.
A mídia oligárquica brasileira, no entanto, não viu maiores problemas na tentativa de continuidade, com José Serra, em 2002, do referido projeto, que, ao fim e ao cabo, ressuscitava a mítica “mão invisível do mercado”. Não se falou, em nenhum momento, em “paixão pelo poder”, no risco de se deixar “a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só” e, muito menos, em “escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder”.
Ora, o Partido dos Trabalhadores tem tanto direito de escolher um projeto nacional quanto o PSDB. Esse projeto, ancorado, essencialmente, na (i) busca de uma política monetária capaz de equilibrar desenvolvimento e poder aquisitivo – nunca o Brasil cresceu e gerou tantos empregos formais quanto nos últimos oito anos, e nunca tantos cidadãos consumiram tanto -, na (ii) dignidade humana, através do resgate da cidadania via políticas públicas de inclusão social e distribuição de renda – nunca tantos cidadãos, antes condenados ao subemprego ou preteridos por raça, estudaram e prosperaram tanto, e nunca tantos cidadãos, antes condenados a viver abaixo da linha de pobreza, hoje possuem o básico para a conquista de sua autonomia –, na (iii) independência e no protagonismo de sua política externa e, sobretudo, no (iv) respeito ao Estado Democrático de Direito – nunca Imprensa, Legislativo, Polícia Federal e Judiciário, p. ex., foram tão respeitados quanto no governo Lula –, é tão legítimo quanto o tucano. E ele não só tem 80% de aprovação popular como, também, segundo as principais pesquisas, será reeleito, em primeiro turno, para um terceiro mandato.
Por que, então, tanta raiva? Qual a origem desse ódio, que vê na figura do Presidente “um chefe de Estado que despreza a liturgia que sua investidura exige e se entrega descontroladamente ao desmando e à autoglorificação”; que enxerga um chefe de Estado que, por supostamente “ignorar as instituições e atropelar as leis”, serve de mau exemplo à cidadania, este, por certo, se fosse o caso, um “mal a evitar”? Como o Estadão enxerga um mau exemplo num sujeito reeleito democraticamente e com 80% de aprovação popular, que mal consegue andar, onde quer que vá, mesmo em meio a uma dúzia de seguranças? Como um editorial pode ser tão estreito a ponto de sustentar que o objetivo maior do projeto político petista é assegurar “o bem-estar da companheirada”? Por que o Estadão não alertou o Brasil, em 2002, que o projeto de governo tucano objetivava perpetuar-se no poder a fim de assegurar “o bem-estar da tucanagem”?
A origem de tamanho rancor não pode ser, simplesmente, a falácia de que a democracia precisa ser oxigenada através da rotatividade no Poder. Se tal tese carregasse consigo alguma necessidade, não teríamos como livrar a humanidade da estupidez absoluta, uma vez que não haveria explicação para cada Estado Nacional não estampar, no primeiro artigo de sua Carta Máxima, a exigência de que nenhum partido político pudesse ocupar, por duas vezes seguidas, qualquer posição executiva, condão da prosperidade, da harmonia e do desenvolvimento. Sequer eleições seriam necessárias, uma vez que, nesse melhor dos mundos possíveis, bastaria, candidamente, estabelecer-se uma ordem sucessória entre os diversos postulantes aos cargos executivos. Tal como a “mão invisível do mercado” regula a economia e distribui, equitativamente, toda a riqueza produzida, assim agiria, na política, essa espécie de “democracia natural”.
Qualquer analista político é capaz de perceber, numa leitura superficial, que há qualquer coisa, no editorial do Estadão, mas menos uma defesa sistemática da candidatura de José Serra à Presidência da República. Com todo o peso da responsabilidade à qual nunca se subtraiu em 135 anos de lutas, os argumentos do Estado de São Paulo oscilam entre o nada – os supostos méritos do candidato José Serra -, coisa nenhuma – seu currículo exemplar de homem público – e o vazio absoluto – o que ele pode representar para a recondução do País ao desenvolvimento econômico e social pautado por valores éticos.
A verdadeira preocupação do Estadão, ao fim e ao cabo, reduz-se à bisonha e esotérica convicção “de que o candidato Serra é o que tem melhor possibilidade de evitar um grande mal para o País”.
Sim, pois “o que estará em jogo, no dia 3 de outubro, não é apenas a “continuidade de um projeto de crescimento econômico com a distribuição de dividendos sociais”, já que isso - algo que, estranhamente, as elites brasileiras não foram capazes de fazer em 500 anos – “todos os candidatos têm condições de fazer”. O que o eleitor decidirá de mais importante, segundo o Estadão, não é a continuidade ou não do projeto petista de desenvolvimento, mas sim “se deixará a máquina do Estado nas mãos de quem trata o governo e o seu partido como se fossem uma coisa só, submetendo o interesse coletivo aos interesses de sua facção”.
A defesa da candidatura Serra, ensaiada em meio parágrafo, portanto, perde-se num mar de generalidades, e tanto quanto os tímidos elogios às políticas públicas implementadas pelo atual governo – todas elas, diga-se de passagem, relacionadas à era FHC, e não méritos petistas –, desaparece diante do ódio destilado contra a possibilidade de continuidade, com Dilma Rousseff, do projeto petista de desenvolvimento. A impressão que fica não pode ser outra senão a de que a defesa da candidatura oposicionista serve de mero pretexto para o ataque raivoso ao projeto situacionista. Não se trata de um editorial a favor da candidatura José Serra, mas sim contra Lula, o PT e tudo que seu projeto possa representar.
O Estado de São Paulo tem todo o direito – até o dever, alguns dirão – de posicionar-se a favor da candidatura Serra e mesmo contra a petista, desde que apresente bons argumentos em nome da primeira e razoáveis em relação à segunda, uma vez que é público e notório que o projeto petista não é imune a críticas. Só não pode supor que um bom argumento passa, necessariamente, pela desqualificação alheia gratuita.
Do contrário, ao invés de respeito, não conseguirá nada além de transmitir a impressão de que trata o interesse público e seu interesse empresarial como se fossem uma coisa só, submetendo a democracia aos interesses de sua facção. Um jornal que despreza a liturgia que sua investidura exige ao personalizar o debate público e se entrega, descontroladamente, ao desmando e à autoglorificação, não faz mais do que ignorar as instituições e atropelar as leis, deste modo servindo de mau exemplo à cidadania. O Estadão parece ter feito a escolha dos piores meios para atingir seu fim precípuo: manter-se no poder ao lado de nossos velhos conhecidos da mídia oligárquica, desse modo garantindo o bem-estar da companheirada.
Este é o mal a evitar.